Elucubrações de um brasileiro em Medellín




As imagens que ilustram este post mostram uma das razões pelas quais me apaixonei por Medellín. Esta foi a vista que desfrutei quando desci pela primeira vez a Via Las Palmas vindo do aeroporto, que fica no município de Rio Negro do lado oriental da cordilheira, para a cidade. Sempre viajei muito por esse mundo afora. Mas, difícil explicar o meu fascínio pela Cordilheira dos Andes e a sensação de "déjà vu" que senti.

Não era a minha primeira vez na Colômbia. Já havia estado na cidade de Cali à trabalho um ano antes. Como consequência daquele primeiro trabalho, agora voltava para um novo projeto em uma grande empresa colombiana cuja sede era em Medellín. Isto foi há 24 anos. Aliás o que chamo de "meu destino colombiano" começou bem antes, no Brasil, quando fui sócio de um empresário colombiano que comandava a mais importante empresa de treinamento na área de tecnologia da informação naquela época em São Paulo.

O plano inicial era que eu ficasse uns dois meses para apoiar o projeto, mas as coisas evoluíram de tal forma que acabei ficando por aqui mais de 4 anos. Tudo evoluiu tão naturalmente que comecei entender a sensação de "déjà vu". Adaptei-me rapidamente à cultura, fui sempre muito bem recebido, adorei a cidade, o clima, e as pessoas, de quem ganhei o respeito no âmbito profissional e pessoal.

Interessante os sonhos que eu tinha algum tempo antes de conhecer Medellín. Eu podia voar, e voava e visitava lugares com muitas luzes, era capaz de "ver" os lugares e as pessoas. Fiquei impressionadíssimo quando desci a Via Las Palmas pela primeira vez e me hospedei em um "residence service" na região de El Poblado, mais especificamente, bem atrás da Igreja de San José del Poblado; eu saía ao terraço à noite e via luzes e pessoas, tal qual via nos meus sonhos... "Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay" (risos). E, de fato, eu vivia voando entre Medellín, Bogotá e Cali; entre Bogotá, Chicago, Nova Iorque; entre Bogotá, Lima, Quito, Caracas, São Paulo e Buenos Aires. Voava, voava!

A igreja de San José del Poblado, também parte dos meus sonhos, se tornou um lugar icônico para mim, não só fisicamente, mas também, espiritualmente. Neste lugar em 1616 fundou-se o que hoje é o bairro de "El Poblado" e daí evoluiu para ser a cidade de Medellín.

Quando cheguei por aqui estava muito bem profissionalmente, mas arrasado pessoalmente pois um ano antes havia me separado terminando um casamento de 23 anos. Mas a Colômbia e particularmente Medellín seria o lugar em que começaria um novo ciclo em minha vida, em todos os sentidos. Pude comprovar, mais uma vez, o que Vinicius de Moraes dizia que "a vida é a arte do encontro", pois aqui encontrei o amor e me casei novamente, com uma "paisa de pura cepa" que tenho a felicidade de ter como esposa a mais de duas décadas. Foram anos desafiadores, maravilhosos, de muito aprendizado, de relacionamentos profícuos e muita realização profissional e pessoal.

Mas antes de mudar-me definitivamente para Medellín, a vida ainda me levaria por outros caminhos. Oportunidades profissionais me fizeram retornar ao Brasil. Foram anos incríveis em que consolidei a reconstrução da minha vida depois do divórcio, escrevi um livro sobre a minha vida artística, iniciei um projeto para orientação de decisões de carreira para jovens, e passei a atuar no mundo acadêmico. Então os ventos da mudança começaram a soprar novamente. Foi como uma preparação para tudo o que me aconteceria adiante. Resumi minha vida em umas poucas malas e peguei um avião para a Colômbia, especificamente, para Medellín. Vim cheio de incertezas, mas de coração e alma aberta. Dessa vez para ficar.

Não foi uma decisão fácil. Quando parti, o poema de Sérgio Godinho, fazia todo o sentido para mim: “hoje é o primeiro dia do resto da sua vida”. E, continua fazendo, pois, citando Ana Jácomo: “Não tenho mais tanta pressa. Comecei a aprender a ser mais gentil com o meu passo. Afinal, não há lugar algum para chegar além de mim. Eu sou o viajante e a viagem.”

O poema de Sergio Godinho: “Enfim duma escolha faz-se um desafio/Enfrenta-se a vida de fio a pavio/Navega-se sem mar, sem vela ou navio/Bebe-se a coragem até dum copo vazio/E vem-nos à memória uma frase batida/Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida/E entretanto, o tempo fez cinza da brasa/E outra maré cheia virá da maré vaza/Nasce um novo dia e no braço outra asa/Brinda-se aos amores com o vinho da casa/E vem-nos à memória uma frase batida/Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida”.

Quando a gente vai morar e trabalhar no exterior, a gente é de um jeito. Estamos moldados na sociedade em que vivíamos, temos manias e cacoetes que, na vida longe de casa, aos poucos vão mudando, porque se não mudamos logo, nós não iremos aguentar. Saímos da "caixinha", nos libertamos. Somos forçados a entender que o mundo é muito maior e mais diverso do que um dia a gente ousou pensar, que no mundo não existe espaço para quem pensa pequeno e que morar fora é para gente grande. Grande na coragem, grande no espírito e, acima de tudo, grande na vontade de mudar.

Com este espírito, a Colômbia tornou-se a minha segunda pátria, por inexplicáveis e poderosos acontecimentos, que me deram um sentido de pertencimento tal, que hoje já não sei mais aonde pertenço. Comecei uma carreira como professor de português que tem me dado a possibilidade de aplicar conhecimento e o aprendizado de toda uma vida e a possibilidade de relacionar-me e trocar experiências com alunos de alto nível intelectual das mais variadas profissões. Consegui consolidar a minha vocação. 

Paradoxalmente, por melhor que tudo esteja, não sem um conflito íntimo. Todos vivemos uma certa fragilidade de raízes. Para estar bem aqui, deixei minhas raízes e afetos no Brasil. Para nossos conterrâneos somos os que foram embora e para os que nos recebem seremos sempre os de fora. É como se não pertencêssemos verdadeiramente a nenhum dos dois lugares: somos estrangeiros onde vivemos e, num dado momento, também somos estrangeiros no país onde nascemos.

Por outro lado, temos a contraditória riqueza de sentir que vivemos duas vidas ao mesmo tempo, enquanto os demais vivem apenas uma. A sensação é boa e é ruim. Uma vida mais preenchida, dois países, duas bases, dois ninhos. Ao mesmo tempo, duas ausências, duas saudades, dois vazios. E o sentimento que isso traz não é algo simples de se lidar. Costumo dizer que sou uma pessoa que vive permanentemente com saudades... Um brasileiro-paisa!

 


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